sábado, 9 de janeiro de 2010

O Elixir Suíço do Bom Senso





“Talvez quando as palavras: louco, doido, bobagem, besteira deixarem de existir, de serem empregadas, talvez aí a vida comece a fazer real sentido”. Disse-me um dia um conhecido diante de uma cerveja num bar velho e bem de bairro de Lausanne.
Tive tempo de sobra mais tarde no trem de volta para casa para refletir sobre essas palavras, e sobre a conversa por elas insurgida.
Afinal é com esse tipo de palavras que interrompemos criações, discursos, idéias e seqüências. Empregando essas palavras, desistimos e fazemos desistir, colocamos de lado novidades e cortamos fluxos, desviamos sentidos e decapitamos movimentos.
Que poder!
Sim, e isso se justifica pela vontade silenciosa e comum a todos de não querer ver sua suposta estabilidade ameaçada. E isso, freqüentemente, de maneira inconsciente. O que é pior. O novo não é muito bem-vindo, ele sempre teve dificuldades para se instalar, apesar dos gritos falsos de pedido por mudanças que a maior parte da humanidade insiste em dar.
É fácil testar a coisa! Basta tentar expor uma idéia diferente, pode ser aquela que você leu numa reportagem interessante numa revista um pouco mais independente.
Fale sobre assuntos tabus, há tantos, as religiões cuidaram de repertoria-los. Num grupo exposto aos argumentos, logo haverá um que diga que é loucura, ou que é bobagem e o argumento fica rapidamente fragilizado. Agora você tem de provar que há sentido no que você diz e, ao invés de focar energia para a apresentação da idéia, tem de se concentrar para convencer o outro que não se trata de loucura nem bobagem. Que é só uma idéia. E se for doideira ou bobeira também? Qual é o problema? O tempo de todos é tão importante assim que não há como gastar 15 minutos para se ouvir uma opinião?
O tempo urge e sendo ele nosso eixo de atuação, não podemos perde-lo, ficou combinado assim!
Nisso somos tolhidos no nosso direito infantil de gastar nosso tempo com aquilo que por nós é julgado como válido e interessante.
A crítica cabe não somente a nós que somos tolhidos, mas a nós que também tolhemos a expressão alheia! Ouvir um pouco de “loucura e de bobagem” faz bem e não compromete em nada nossa suposta sanidade. Daí viria o exercício da tolerância, tão cantada e decantada! Que bela oportunidade!
O remédio para essa liberdade na comunicação nas relações seria o elixir do bom senso. Aquele ali, na terceira prateleira, quinto frasco, da esquerda para a direita, um azul escuro com rótulo amarelo pálido!
Uma gota na ponta dos dedos indicadores e será o suficiente para que seu dia seja coroado de certezas e alegrias, como um passeio matinal de primavera por uma estrada qualquer nos bosques do cantão de Neuchâtel! Edílico e seguro!
Meu conhecido suiço era um bom exemplo de suiço típico, apesar de ser do cantão de Grison, falava francês muito bem. Calmo, de bom senso e com muita coisa para contar, sempre! Fala e ouve, sem preconceitos.
O suiço, em geral, tem essa qualidade que julgaria única, a mais próxima seria a dos habitantes dos países nórdicos, mas os suiços têm a vantagem de ser mais cosmopolitas, internacionais e de estar no coração da Europa! São calmos, pacíficos, bem instruídos, poliglotas a princípio, banqueiros e diplomatas, são escolhidos para receber delegações do mundo todo para discutir sobre assuntos periclitantes, sua indústria relojoeira é mundialmente famosa, a seus bancos o mundo confia muito dinheiro, sua hotelaria é de renome internacional e, com tudo isso, guardam um espírito tranquilo, sem soberba, sem superioridade. Aquelas montanhs altíssimas devem soprar em seus vales uma confiança sobre aquele povo que lhe permite viver suas relações de maneira sensata e dócil. O bom senso reina nas ruas suiças, onde impera a gentileza e a cortesia, das atendentes de lojas aos motoristas de ônibus, das atendentes dos correios ao condutor de bonde elétrico que para ao ver uma pessoa se aproximando da passagem de pedestre. A boa educação é uma questão de bom senso.
Para viver precisamos de bom senso nos atos cotidianos, para conviver necessitamos de bom senso nas relações.
Bom senso para falar e ouvir, calma para se situar no tempo e espaço, e furor para expressar sua vida e mundos internos.
E, aqui na sociedade onde vivemos, alguém está interessado nisso? Pergunto-me...

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